O ano
era 1965, e o vídeo-tape ainda era novidade na TV brasileira. Até pouco tempo
antes, as telenovelas eram ao vivo. Em primeiro de novembro daquele ano, a TV
Excelcior de São Paulo (precursora do padrão Globo de qualidade), colocava no
ar uma obra inédita da grande escritora do momento, Ivani Ribeiro, e mergulhava
no gênero ainda não potencialmente explorado em novelas, o suspense policial.
A
GRANDE VIAGEM – 19h30min. com direção de Walter Avancini.
Para
aqueles que pensam que o suspense na TV começou nos anos 90 com A Próxima
Vítima, de Silvio de Abreu, saiba que o próprio Silvio bebeu na fonte de Ivani
para começar a escrever suas histórias de suspense. Nos anos 60 ele era ator de
TV, chegou a participar de obras da escritora e acima de tudo acompanhava com
interesse as tramas da época. Nesse trecho de documentário da TV Cultura,
Silvio nos fala daquela que foi uma de suas grandes fontes de inspiração:
Com
pouca informação sobre o início da TV no Brasil, e quase nada disponível em
arquivos de vídeo, não podemos dizer que A Grande Viagem tenha sido a primeira
obra a navegar no gênero suspense, mas certamente podemos afirmar que a novela
foi a primeira a explorar com enorme sucesso as tramas criminais, que no futuro
dominariam a audiência brasileira.
Quem
matou? Qual é a identidade do líder da organização criminosa? A quem estão
protegendo? Essas e outras perguntas começaram a fazer parte da história da TV
brasileira com a ousadia de Ivani Ribeiro em A Grande Viagem.
Nilson
Xavier, no blog Teledramaturgia nos conta como era a sinopse da novela:
Um grupo de pessoas bastante eclético parte
num luxuoso transatlântico, o Monte Real, do nordeste brasileiro em direção ao
sul. Durante a trajetória, Pardini, uma espécie de pirata moderno, se apossa do
navio. Pardini desvia o navio para uma ilha onde uma fabulosa quantia em dinheiro
está escondida. Ele é um homem frio e impiedoso, temido por todos, que recebe
ordens de um misterioso chefe que está entre os passageiros. Pardini é tão mal
que não exita em matar o velho Pedro, morador da ilha, por ele não querer
revelar onde está o tesouro.
Fatos estranhos começam a acontecer na ilha:
passageiros são seguidos, bagagens revistadas, incêndio, tentativas de
assassinato, etc. Aos poucos vai ficando claro que se trata de uma organização
criminosa e todos passam a ter medo até da própria sombra. O chefe misterioso
tem um cúmplice. Quem seria o chefe e seu cúmplice?
Bom,
não é preciso dizer que o clima foi de suspense policial do princípio ao fim
dessa viagem. Porém, no final da novela, em fevereiro de 1966 (as tramas da
época duravam de 3 a 4 meses), algo aconteceu envolvendo imprensa, autora e TV,
que viria a definir os hábitos das gravações até os dias atuais. Saiba o que
aconteceu nas palavras de Fabio Costa, autor do livro “Novela, a obra aberta e
seus problemas”:
A imprensa descobriu o final da novela e
publicou o furo, que revelava o grande mistério da trama: que o médico Renato
(Daniel Filho) era o chefe dos bandidos que pretendiam se apossar de uma
fortuna escondida na ilha. Ivani então reescreveu o final, gravado só no dia em
que foi ao ar, mantendo assim o grande mistério. A autora transferiu ao velho
Pedro, morador da ilha (Procópio Ferreira), a condição de líder dos ladrões,
como se ele houvesse se fingido de morto para assustar os passageiros.
Não é
preciso relembrar aqui todas as novelas que tiveram seu último capítulo gravado
somente no dia em que foram ao ar. A própria novela de Silvio de Abreu usou
desse artifício para manter o mistério até o final. O fato é que Ivani Ribeiro
é referência até os dias de hoje para todo autor que deseja alcançar o sucesso
na arte brasileira mais popular e também mais exportada para o mundo.
Referência por esse artifício e também por várias outras de suas qualidades
artísticas.
Depois
desse sucesso, Ivani ainda escreveria dentro do gênero Os Fantoches, Almas de
Pedra, Os Inocentes, entre outras tramas de mistério. No futuro viriam
clássicos da TV como O Profeta, A Viagem, Mulheres de Areia, A Gata Comeu,
entre outros sucessos. Fica então minha homenagem para minha novelista
preferida, como fã que sou de um bom e velho folhetim.
Abraços,
Christian
Petrizi