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sábado, 9 de fevereiro de 2019

NOVAMENTE O CANTO DOS MALDITOS


Quando Austregesilo Carrano Bueno lançou seu livro autobiográfico O Canto dos Malditos, o cenário real de filme de horror narrado por ele na obra começava a ser desmantelado no Brasil. Os manicômios, que mais foram depósitos de gentes indesejadas pelas famílias brasileiras, eram desativados, um após o outro, por obra de políticas públicas de saúde que, se não eram as perfeitas, ao menos não mais permitiam que pessoas fossem jogadas nessas instituições apenas para desaparecer do campo de visão dos seus.


É disso que trata o livro do escritor. Dos horrores que se cometiam nesses lugares, das sádicas terapias de eletrochoque, do uso abusivo de medicamentos que transformavam esses internos em zumbis, desses internos (o autor foi um deles) que muitas vezes nem mesmo apresentavam o menor quadro indicativo para receber esses tratamentos. Estou falando de pessoas internadas compulsoriamente por pais que simplesmente discordavam da postura dos filhos, seja pelo uso de drogas consideradas ilícitas, por comportamento sexual destoante do que a maioria considera “normal”, ou por estilo de vida alternativo reprovado por essas famílias da Pátria Amada Brasil.


Austregesilo foi um adolescente como tantos e tantos outros que existem por aí, hoje em dia. Passando pela difícil e confusa fase de auto aceitação desses primeiros anos de vida, não se enquadrando no modelo ultraconservador de seu pai (a mãe era a perfeita representação da ausência), que bebia, fumava um baseado vez ou outra, não estava indo bem na escola e não encontrava trabalho que o motivasse. Além disso, não havia em casa diálogo com os pais que o ajudasse. Por isso, e somente por isso, ele e muitos outros foram internados por seus familiares à força em “hospitais psiquiátricos”, e receberam os mesmos horrores que também seriam inadequados para os doentes que realmente necessitavam de assistência.



Seu livro foi a base para o bem-sucedido filme da diretora Lais Bodanzky, Bicho de Sete Cabeças, que alavancou a carreira do ator Rodrigo Santoro interpretando o próprio Austregesilo. O livro ainda continua disponível nas livrarias físicas e virtuais, em e-book no Amazon e nos melhores sebos do Brasil. O filme você pode conferir aqui, via You Tube:

Pois bem... Todo o horror que parecia haver se transformado em material apenas para a literatura e o cinema, como registro histórico de uma época terrível, agora ameaça voltar em uma sequência tão tenebrosa quanto à primeira, em nota do Ministério da Saúde do atual Governo Federal. São 32 páginas onde se fala em internação compulsória de crianças e adolescentes, onde se incentiva o modelo manicomial em um pacote século passado completo, incluindo os temíveis eletrochoques e kits zumbis. Nessa nota também se compara o usuário de drogas aos necessitados de internação nesses hospícios: “A política de drogas vai privilegiar o modelo da abstinência e não mais o de redução de danos, e reforçar a política proibicionista.” O que leva novamente ao modelo de internação e tratamento via isolamento. O modelo CAPS passa a não valer nada...


E o pior, e que todo o mundo sabe: a qualidade física desses espaços fica muito a desejar... Afinal, todos vocês já viram em documentários e telejornais como os internos ficavam jogados nesses locais imundos. Se ainda não viram, está aí o filme da Lais para mostrar. Eu deixo abaixo uma foto tirada num desses depósitos de gente na cidade de Barbacena, Minas Gerais, famosa atualmente pelas rosas, mas que também ostenta um passado de horror nesse setor “hospitalar”.


As portas do inferno estão abertas novamente, para novamente fazerem ecoar o canto dos malditos. Salve-se quem puder. Salve-se quem for "normal" aí. Você é?
Christian Petrizi


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