Quando
Austregesilo Carrano Bueno lançou seu livro autobiográfico O Canto dos
Malditos, o cenário real de filme de horror narrado por ele na obra começava a
ser desmantelado no Brasil. Os manicômios, que mais foram depósitos de gentes
indesejadas pelas famílias brasileiras, eram desativados, um após o outro, por
obra de políticas públicas de saúde que, se não eram as perfeitas, ao menos não
mais permitiam que pessoas fossem jogadas nessas instituições apenas para
desaparecer do campo de visão dos seus.
É
disso que trata o livro do escritor. Dos horrores que se cometiam nesses
lugares, das sádicas terapias de eletrochoque, do uso abusivo de medicamentos
que transformavam esses internos em zumbis, desses internos (o autor foi um
deles) que muitas vezes nem mesmo apresentavam o menor quadro indicativo para
receber esses tratamentos. Estou falando de pessoas internadas compulsoriamente
por pais que simplesmente discordavam da postura dos filhos, seja pelo uso de
drogas consideradas ilícitas, por comportamento sexual destoante do que a
maioria considera “normal”, ou por estilo de vida alternativo reprovado por
essas famílias da Pátria Amada Brasil.
Austregesilo
foi um adolescente como tantos e tantos outros que existem por aí, hoje em dia.
Passando pela difícil e confusa fase de auto aceitação desses primeiros anos de
vida, não se enquadrando no modelo ultraconservador de seu pai (a mãe era a
perfeita representação da ausência), que bebia, fumava um baseado vez ou outra,
não estava indo bem na escola e não encontrava trabalho que o motivasse. Além
disso, não havia em casa diálogo com os pais que o ajudasse. Por isso, e
somente por isso, ele e muitos outros foram internados por seus familiares à
força em “hospitais psiquiátricos”, e receberam os mesmos horrores que também
seriam inadequados para os doentes que realmente necessitavam de assistência.
Seu
livro foi a base para o bem-sucedido filme da diretora Lais Bodanzky, Bicho de
Sete Cabeças, que alavancou a carreira do ator Rodrigo Santoro interpretando o
próprio Austregesilo. O livro ainda continua disponível nas livrarias físicas e
virtuais, em e-book no Amazon e nos melhores sebos do Brasil. O filme você pode
conferir aqui, via You Tube:
Pois
bem... Todo o horror que parecia haver se transformado em material apenas para
a literatura e o cinema, como registro histórico de uma época terrível, agora
ameaça voltar em uma sequência tão tenebrosa quanto à primeira, em nota do
Ministério da Saúde do atual Governo Federal. São 32 páginas onde se fala em
internação compulsória de crianças e adolescentes, onde se incentiva o modelo
manicomial em um pacote século passado completo, incluindo os temíveis eletrochoques
e kits zumbis. Nessa nota também se compara o usuário de drogas aos
necessitados de internação nesses hospícios: “A política de drogas vai
privilegiar o modelo da abstinência e não mais o de redução de danos, e
reforçar a política proibicionista.” O que leva novamente ao modelo de
internação e tratamento via isolamento. O modelo CAPS passa a não valer nada...
E o
pior, e que todo o mundo sabe: a qualidade física desses espaços fica muito a
desejar... Afinal, todos vocês já viram em documentários e telejornais como os
internos ficavam jogados nesses locais imundos. Se ainda não viram, está aí o
filme da Lais para mostrar. Eu deixo abaixo uma foto tirada num desses
depósitos de gente na cidade de Barbacena, Minas Gerais, famosa atualmente
pelas rosas, mas que também ostenta um passado de horror nesse setor
“hospitalar”.
As
portas do inferno estão abertas novamente, para novamente fazerem ecoar o canto dos malditos. Salve-se quem puder. Salve-se quem for "normal" aí. Você é?
Christian
Petrizi
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