Não fosse aquele vulcão entrar em erupção no ano de 1815,
lançando toneladas de poeira na atmosfera, impedindo a luz solar de levar o
verão de 1816 para todo o hemisfério norte do planeta, talvez não houvesse
nascido a criatura que nesse 2018 completa 200 anos de existência. O vulcão é o
Tambora, na ilha de Sumbawa, atual Indonésia. E aquela foi a maior erupção
vulcânica da qual temos conhecimento, matando ao todo mais de 92 mil pessoas.
Naquele ano de 1816, Mary (ainda) Godwin e seu futuro marido
e também escritor Percy Shalley foram passar o verão com o recluso escritor
Lord Byron em sua mansão de campo no Lago Léman, onde outro escritor também se
encontrava, John Polidori. Com tantos astros das letras juntos, uma orgia
literária acabaria acontecendo cedo ou tarde, bastando as condições adequadas
de temperatura e pressão se manifestarem.
E elas chegaram, por culpa da erupção do Tambora, fazendo com
que o tempo fechasse e obrigasse nossos célebres nomes à reclusão entre as
paredes da mansão de Byron, tendo o brilho dos raios e o barulho dos trovões
como companhia. O Lord veio então com um desafio: em meio as leituras de
histórias de horror que faziam todas as noites, ele propôs que cada um deles
criasse a sua própria história do gênero para apresentar ao grupo. O tema era
livre.
Depois de vários dias de total falta de inspiração, a jovem
Mary (futuramente Shelley) teve a visão que relataria mais tarde na sua terceira
edição do clássico que criou. A visão veio num sonho, onde um acadêmico de
medicina dava vida a uma criatura. Dessa visão nasceu a história base de
Frankenstein, livro que seria publicado em 1818 por uma pequena editora
londrina, e que rapidamente alcançaria sucesso mundial.
Bom, muitos sabem disso, mas é sempre bom lembrar:
Frankenstein não é o nome da criatura, e sim do seu criador, Victor
Frankenstein, aristocrata suíço e cientista autodidata, dedicado e talentoso.
Outro ponto importante para se guardar: o livro trabalha com
muitos temas sempre atuais, como o preconceito pela estética, injustiça e
ingratidão, amizade verdadeira... Porém, sem dúvida alguma a longevidade do
sucesso da obra, que teve inúmeras adaptações teatrais, cinematográficas e
televisivas, deve-se principalmente a importância do principal tema discutido,
a bioética nas ciências médicas e o poder exercido pelo homem sobre a Natureza. Não é atoa que o bicentenário do livro de Mary
Shelley foi comemorado até em congressos de ciências médicas ao longo desse
ano.
O homem tomando o papel protagonista de Deus na criação de
vida a partir da matéria inanimada... A criatura construída com partes de
outros corpos. Quais os limites da ciência? Tudo isso é material para se
discutir em uma postagem à parte. Hoje vamos nos ater na origem do clássico e
como uma boa atmosfera é fundamental para a criação de uma obra prima.
Veja bem! Mary tinha ao seu redor uma catástrofe climática
natural afetando seu ambiente, tinha a mítica mansão de Byron, onde se dizia
que muitas coisas antinaturais aconteciam, tinha a presença de Lord Byron,
considerado um dos maiores transgressores de sua época, tempestades, raios e
trovões... Ela tinha tudo que precisava para criar um “monstro” que seria
reverenciado por gerações!
Reverenciado e modificado pelas diversas adaptações. O cinema
criou a imagem clássica que conhecemos hoje, a de Boris Karloff no filme de
1931, como a cor verde para a pele da criatura, os eletrodos no pescoço e a
cabeça chata. Nada disso existe no romance Frankenstein. Mary descreve a
criatura com pele amarelada, cadavérica. A eletricidade, os raios e os trovões
usados para dar vida ao monstro chegaram com o clássico cinematográfico de
1931, dirigido por James Welles. A própria confusão com o nome da criatura e do
seu criador viria no terceiro filme da série da Universal Estúdios.
O fato é que a imagem se transformou numa das mais marcantes
no cenário pop do Séc. XX. E nunca o grito de Victor Frankenstein ao notar o
sucesso do seu projeto esteve tão certo:
- He’s alive!
Quando comecei a escrever Antinatural, o Lado Mais Escuro da
Obsessão (Clique aqui para conhecer o livro impresso), Frankenstein também foi um
clássico com o qual me cerquei, além de personagens da vida real, como a
Condessa Báthory da postagem anterior. (Clique aqui para conhecer o e-book).
O Homem lutando contra a Natureza, contra o processo do
envelhecimento, desafiando a ética vigente para conseguir a vida eterna aqui no
planeta, para todo esse conflito o livro de 200 anos atrás se mostrou como
fonte atualíssima de referências.
E seguirá por muitos séculos mais, afinal esse será um dilema
cada vez mais presente, quanto mais avança a ciência.
Frankenstein está vivo!
Abraços!
Christian Petrizi
Nenhum comentário:
Postar um comentário